sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Balanço 2008: Os cabo-verdianos não viveram melhor!
1. A qualidade da nossa democracia conheceu altos com as Eleições Autárquicas e a Moção de Confiança de Novembro e baixos com um avolumar de grandes obras públicas e concessões públicas sem concurso, atribuição de avultados e duvidosos subsídios e grandes trapalhadas no engajamento do Estado (protocolos).
As autárquicas de Maio foram uma prova para os renovados instrumentos como o Código Eleitoral, o Recenseamento e a Comissão Nacional de Eleições que, pelo desempenho satisfatório, erigiram-se em ganhos claros para a justiça e a transparência eleitorais. Já não se pode dizer o mesmo dos actores políticos em que a compra de votos, a perturbação na "Boca de Urna", a intromissão descarada do Governo e declarações incendiárias como aquelas do candidato do PAICV na Praia que, mesmo ao lado do Primeiro-Ministro, acusou a oposição e os advogados de estarem ligados a dinheiro sujo da droga, ensombraram o acto eleitoral.
Uma Moção de Confiança, por mais banal que seja, representa, sempre, uma valorização do Parlamento como sede soberana do poder. Com cartas marcadas, representou um acto falhado e despropositado pois o fundo da questão permaneceu a mesma, isto é, os desenvolvimentos futuros em sede das investigações podem, a qualquer momento, ditar notícias embaraçosas para o Governo cabo-verdiano.
Com as adjudicações "boca a boca" de grandes obras públicas a chegarem aos 14 milhões de contos, com concessões de produção de água a serem negociadas sem concurso público, com o constante aumento da influencia de intermediários e de lobbies como no caso do tratamento dos resíduos sólidos, com grandes subsídios a serem doados directamente a empresas que nem sequer começaram a operar, caso dos cem mil contos à Fast Ferry, a Transparência e a Ética na Gestão da Coisa Pública foram, profundamente, abaladas pelo Governo.
2. As relações externas conheceram avanços na Parceria Especial com a União Europeia e numa maior dinâmica no seio da CEDEAO, devendo-se realçar pontos positivos junto das comunidades emigradas como o lançamento de Casas de Cabo Verde ou Casas de Cultura. Faltou, no entanto, um posicionamento claro na diplomacia económica e na integração económica, científica, cultural e social dos cabo-verdianos emigrantes como dois eixos estratégicos prioritários das nossas relações externas.
A Lei e a Ordem continuaram a ser o calcanhar de Aquiles da governação do País. Dezembro confirmou a libertação de agentes da Polícia Judiciária alegadamente implicados no roubo de 120 quilos de cocaína nos armazéns da própria polícia. A expiração do prazo para a sua manutenção em regime de prisão preventiva não pode ser assacada somente à habitual morosidade da Justiça, mas também, às suspeições de teias de interesses e de corrupção que vão minando as instituições.
Cabo Verde no circuito do crime organizado, na sua expressão Actividades Ilícitas da Banca "Off Shore", Lavagem de Capitais e Plataforma Giratória da Droga, manchou a nossa imagem no mundo, ao mesmo tempo que a segurança interna constatou mais assassinatos por ajuste de contas, mais insegurança nas ruas com a generalização pelo País de fenómenos como "thugs" e "caço boby", mais casos de pedofilia e de violação de crianças, tudo num contexto da alta, média e pequena criminalidade que justificariam um melhor tratamento político do Pacote da Justiça apresentado na Assembleia Nacional.
A descentralização abandonada nas ruas da amargura, poderá sofrer mais uma machadada com a propalada institucionalização do Delegado do Governo, pois, ao invés do reforço das atribuições das autarquias, vai criar um poder paralelo sufocante dos autarcas.
3. A economia não ficará na boa memória dos cabo-verdianos, pois foi o ano da inflação em alta (7%, contra previsão de intervalo (2%;3%)) e do abrandamento económico (previsão de intervalo (7%;8%) para (6%;7%)), com grandes sombras negras a pairar sobre os empresários (com destaque para os do sector turístico, seja de alojamento e restauração, seja da imobiliária), sobre o défice da balança de pagamentos e sobre o endividamento. No entanto, o Governo conseguiu uma boa mobilização de recursos na ajuda orçamental e no financiamento dos investimentos públicos.
Foi o ano da continuação da crise da energia com populações como a Brava, Mosteiros, Calheta e Santa Cruz a passarem mais de mês sem energia eléctrica, mas também, do aumento dos preços dos produtos alimentares, dos produtos petrolíferos e da crise financeira, com os operadores económicos nacionais a terem problemas no acesso ao crédito internacional e, para mal dos nossos pecados, com a ajuda do governo que, em má hora, lembrou - se de complicar o acesso à propriedade dos terrenos.
A nossa vida complicou-se com mais taxas, no caso, a Taxa de Manutenção Rodoviária e a Taxa de Iluminação Pública, mas foi, também, um ano estruturante do nosso comércio com a nossa adesão à Organização Mundial do Comércio, algo de longo alcance e que consolida um ciclo de grandes reformas iniciadas na década de noventa.
A crise dos transportes marítimos, com ilhas como o Fogo, a Brava, o Maio e a Boavista a serem altamente fustigadas pelo isolamento, continuou a demonstrar o grande falhanço do governo neste sector. Alguns ganhos obtidos no sector aeroportuário, com destaque para o Aeroporto de S Vicente, foram ensombrados pela crise dos TACV.
4. O desemprego continuou a ser a principal preocupação dos cabo-verdianos, com o Governo a não acertar numa política económica geradora de empregos. Em 2008, os cabo-verdianos ficaram a saber que, longe de atingir um valor abaixo dos 10% como prometido pelo Governo, houve um agravamento de 21,1% em 2006 para 21,7% em 2007, atingindo, particularmente, os jovens (nas zonas urbanas chega a 46,2%) e regiões como Santa Cruz, Santa Catarina no Fogo e S Vicente onde pode chegar aos 30%.
Pioram esse quadro, as falhas na Educação e Formação Profissional com o abandono e insucesso escolar em alta, a desorientação na política do ensino superior (bolsas de estudo e universidade pública) e uma ausência de reformas que mantém o ensino generalista e estrategicamente desadequado.
O ano que vai findar foi madrasta para a função pública no geral e para várias classes profissionais em particular. Tudo porque o Governo os penaliza com a sua política salarial e de gestão das carreiras, pois, com a inflação a chegar aos 7%, só houve um aumento salarial de 2,5% e as progressões, promoções ou estatuto profissional a prejudicar, entre outros, os professores, médicos, enfermeiros, guardas prisionais e funcionários dos registos, notariado e identificação.
Houve orgulho do Primeiro-Ministro com uma baixa, em oito anos, de 10% na pobreza, esquecendo - se do limiar da pobreza nos 49 485$00 per capita/ano (136$00 por dia), dos 130 900 cabo-verdianos que, mesmo com esse limiar, vivem na pobreza e de regiões como o Interior de Santiago, S Antão e Fogo onde a taxa de pobreza é superior a 40%.
Sintomaticamente, Cabo Verde baixou, em 2008, da posição 103 para 118 no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, facto que merece ser profundamente pensado!
Um melhor 2009 para todos, pois, globalmente, a vida das pessoas não melhorou em 2008!
2-1-2009,
José Luís Livramento, Expresso das Ilhas
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